Nos anos 1930, órfãos eram escravizados em fazenda no interior de São Paulo por simpatizantes do nazismo
Alice Melo
Uma briga de porcos derrubou a primeira barreira que encobria uma
história existente apenas nas lembranças de velhos personagens. O
obstáculo rompido nos idos da década de 1990 era a parede gasta de um
chiqueiro imundo que outrora fora habitado por empregados de uma fazenda
localizada no município de Paranapanema, interior de São Paulo. A
Cruzeiro do Sul, que hoje beira os 72 hectares de terra. Na ocasião,
quem tentava conter os suínos em sua disparada era Tatão, então
proprietário das terras, e seu empregado, Aparecido. A dupla falhou ao
apartar a rixa; os bichos abriram um buraco na parede e escaparam rumo
ao capinzal numa corrida ensurdecedora. Aparecido seguiu os porcos para
evitar prejuízo, mas Tatão permaneceu atônito no chiqueiro destruído. Os
tijolos maciços caídos no chão, antes encobertos pela argamassa,
revelaram ao homem a marca inconfundível, cravada no centro de um
losango: a suástica nazista.
“Eu chamei: hômi, volta aqui, hômi, vem ver isso”,
lembra Tatão – apelido de José Ricardo Rosa – fixando os olhos verdes no
horizonte, entre uma e outra baforada no seu tradicional cigarro de
palha. “Quando ele chegou, eu mostrei a marca pra ele. Ele me disse que
era a marca do tijolo. Eu falei: como assim? É a marca da Alemanha! E
ele disse que não, era a marca do tijolo. Por anos, eu fui
ridicularizado na cidade. Ninguém desconfiava que aquele tijolo, com
aquela marca, era a prova de que existiu, naquela fazenda, uma filosofia
nazista no passado.”
A descoberta do tropeiro permaneceu como peça solta de um quebra-cabeça
complexo até 1998, quando a enteada de Tatão, Suzane, durante uma aula
sobre a Segunda Guerra Mundial, reconheceu, nas imagens do livro
didático, a marca encontrada nos tijolos de sua fazenda, e avisou ao
professor. O historiador Sidney Aguilar Filho, que trabalhava na cidade
de São Roque, a 160 quilômetros da fazenda, não acreditou na história da
menina. Foi preciso que ela levasse o material na aula seguinte para
que ele iniciasse uma investigação. Esta durou dez anos e culminou na
tese de doutorado “Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do
trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945)”,
defendida na Unicamp em 2011. Com aquele objeto em mãos, o pesquisador
rumou à região e se instalou no município vizinho, Campina do Monte
Alegre, ou Campininha – cidade hoje com 5 mil habitantes. Lá, teceu os
primeiros fios de uma teia tortuosa de significados. Em meio a
polêmicas, a teia liga a simbologia nazista presente na propriedade
rural a um contexto de simpatia a ideais de racismo e autoritarismo no
Brasil das décadas de 1930 e 1940.
Fonte: Revista História
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