sexta-feira, 11 de junho de 2010

Um homem de várias facetas - publicado no Jornal O Povo -

Foto: O Povo

Um homem de várias facetas. Isso se pode falar, sem medo de errar, de Rogerlando Gomes Cavalcante. Todas elas voltadas para a produção artística e, além dela, para a ironia crítica, tão característica de sua personalidade e que destila em tudo que faz. Com efeito, é na charge, no cordel e na combinação criada por ele dos dois (convenientemente denominada charge/cordel) que Rogerlando acentua mais o espírito de confrontação. Mas também há espaço para o desenho, para o ensaio, para a música e até para as histórias em quadrinhos nessa salada. Não por acaso, ele é um dos compositores do hino de sua cidade, Independência, localizada no Vale de Crateús, a 310 quilômetros de Fortaleza.

Na poesia, como ele mesmo diz, esse espírito ferino também está presente, ``mesmo que não de forma explícita``. No primeiro livro do multiartista, intitulado Chão Inaugural, pode-se verificar facilmente essa afirmativa. Com lançamento marcado para a noite de hoje, no Centro Cultural Oboé, a obra traz Rogerlando por tudo que ele é e dá um tom universal e perene àquilo que é sentimento particular e preso no tempo. É, inclusive, da noção de temporalidade que ele extrai um de seus eixos temáticos. ``Estou interessado nas coisas mais permanentes``, explica. ``Dante (Alighieri), Camões e Drummond & cada poeta tenta fazer uma síntese dos seu tempo``, continua, admitindo a si semelhante tarefa.

Para cumpri-la, o autor se utiliza da imagem da máquina, que é destacada na significativa frase impressa na contracapa do livro: ``A fragilidade da vida solta na turbina da máquina``. É, pois, uma advertência, ao mesmo tempo que um resumo do que está dentro do volume. A ideia de permanência, embora onipresente, salta às páginas da segunda parte da obra, batizada de Termos, onde Rogerlando busca grafar ``as palavras mais irresistíveis``. ``Irresistíveis tanto no sentido de serem as mais bonitas como no de não conseguirem resistir ao tempo. Existe essa dubiedade``, esclarece o independenciense. Na seção, ele faz o papel de poeta que reflete sobre seu ofício e brinca, não sem um ar de seriedade, com a imortalidade, aspirada por escritores humildes e ostentada orgulhosamente por outros, principalmente os infames acadêmicos.

Da fragilidade, ele trata na primeira parte do volume. Aqui, assomam-se todos os demônios de uma vida. Os mesmos que chocaram seus conterrâneos (muito mais pela inclusão do simples nome Diabo do que por qualquer outra coisa), nos dias que sucederam a publicação do livro, e que, independente de preconceitos, atormentam todos os seres humanos por igual. A finitude é o principal. A morte, filha do tempo que a tudo come, aparece com todas suas faces naquela que Rogerlando reconhece como a seção mais complexa de Chão Inaugural. ``Mergulho no inferno da existência, usando metáforas para falar da minha dor``, explica.

Já no excerto final do livro, Engrenagens, o autor abre o foco de seus escritos para questões sociais, como, por exemplo, ecologia e ética, e volta para a crítica política. Como no poema Síndrome, em que ele discorre sobre a admiração insana que o povo nutre em relação àqueles que o exploram. A síndrome de que se fala, como não poderia deixar de ser, é a de Estocolmo. Em meio aos recentes escândalos políticos, ele aproveita para atacar o envolvimento do presidente Lula, o ``populista Lula``, para usar seus termos, com o governo autocrático da Venezuela. A hipocrisia ideológica que denuncia atinge até o secretário Auto Filho, bolivariano assumido que comanda a Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult), órgão responsável pelo edital que possibilitou a publicação da obra.

``Não sou nem um pouco de esquerda``, afirma, já beirando a redundância. De fato, o alvo maior desse setor, os Estados Unidos, não é senão uma fonte de inspiração para ele. O título do livro, por exemplo, veio de um poema que escreveu sobre Obama, mas que não entrou na obra. ``Ele (o título) se refere ao processo de eterno retorno da história. Estamos sempre voltando no tempo e os americanos fazem isso, com as referências à Primeira Emenda e aos fundadores``, diz.



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