Na sua acepção radical
latina, a palavra "provocar" que dizer "fazer falar" ("pro vocare"). Com
esse entendimento do termo, aceitei a provocação da História Viva de ir
a Independência (CE), no sábado passado (01/06), participar na quadra
do Colégio Santana de uma roda de conversa com professores e estudantes,
a respeito do tema "A educação e o meu lugar no mundo", instigante
provocação feita por essa entidade da sociedade civil da cidade onde
nasci, a jovens de 12 a 17 anos, na quinta edição do
prêmio literário anual que leva o meu nome.
Como
uma fala provoca outra, comecei a minha provocação submetendo aos
presentes a ideia de procurarmos escapar das rotulações sobre a
juventude, a fim, inclusive, de podermos ficar livres em nossas trocas
de pontos de vista. Fala-se de jovem como se houvesse uma uniformidade e
essa generalização é perturbadora porque acaba confundindo "enformados"
com "informados", ou seja, dando valor destacado àqueles que sabem tudo
dos novos lançamentos de tecnologia digital, mas quase nada sabem a
respeito do milho que está vindo do Mato Grosso e de Goiás para socorro
da pecuária local.
O fechamento defensivo de quem vive em um lugar como se não pertencesse a ele, porque não consegue encontrar a riqueza e a
beleza
do seu mundo nas cinco telas (celular, computador, tabletes, televisão e
cinema), dificulta o exercício da energia criativa dos jovens de
qualquer idade. Essa defasagem de saber e de conhecimento do mundo
comunitário real, dificulta o engajamento orgânico das pessoas e as
aprisiona ao mundo comunitário virtual, onde a sensação de ativismo pode
ser supostamente saciada com um simples clique de "curtir".
O
tema "A educação e o meu lugar no mundo" me levou também a fazer
provocações relativas aos nossos sonhos. É comum encontrar amigos
atrelando seus sonhos apenas a outros lugares. Uns que querem fugir de
Independência, como se a região dos Inhamuns não oferecesse qualquer
chance de felicidade, e outros que prendem suas possibilidades de
realizações à meta de deixar o Brasil, como se em outros países fosse
naturalmente mais fácil de efetivar seus desejos. Ledo engano, pois o
sonho não é geográfico. Como fenômeno autoral, os sonhos podem ser
concretizados em qualquer lugar. Quando alguém mostra a foto de um
pássaro, de uma flor, de uma paisagem, de uma manifestação cultural e
conta como a capturou está dizendo "eu que fiz". E ao fazer isso está
narrando a experiência de sentir que é capaz de realizar algo, de tornar
concreto algo que idealizou.
A relação entre ensinar, aprender e
viver também entrou para a minha lista de provocações. Compartilhei
algumas lembranças de como as professoras da minha juventude escolar me
desafiaram com assuntos de vínculos emocionais. Contei do dia em que a
Cacilda Sales me viu fazendo "palavras cruzadas" e me perguntou se eu já
havia tentado criar "palavras cruzadas" ao invés de somente preencher
os quadradinhos com as respostas. O que eu fiz? Ora, fui inventar
"palavras cruzadas" e descobri o quanto era prazeroso inverter a lógica
de usuário para criador.
Ainda dentro desse raciocínio de que é a
emoção que põe a inteligência em movimento, narrei o quanto foi
importante para mim a maneira simples como a Dona Ozanira me orientou,
no dia em que, na aula de geografia, perguntei a ela como deveria
distribuir as cores de alguns estados no mapa do Brasil. Ela
simplesmente apontou para o mapa da África e disse que eu pintasse com
as cores que eles trouxeram para o Brasil. Fiz questão de dizer ainda de
como a Tia Terezita me fez perder o receio da aproximação com a música
formal, ao falar que os grandes compositores clássicos refinaram a
música do povo e que erudita e popular tinham ponto de encontro nos
sentimentos humanos.
Para um jovem encontrar o lugar no mundo ele
precisa de uma educação que lhe dê condições de perceber que nem tudo é
utilitário e que é possível encontrar outros significados até para as
coisas mais banais. E o caminho para isso é a liberação da mente para a
imaginação, para a sensibilidade e para a relação afetiva. Fugindo da
mesmice e do tédio, a pessoa faz das adversidades plataformas de
transformações, de criatividade e de inovações. Além, claro de
reaprender a usar o tempo e de sentir o passado no agora e no que for
capaz de construir do que virá.
Tomar consciência do que já
temos, do que foi conquistado antes é uma boa escolha em favor da nossa
capacidade de pensar criativamente e de encontrar soluções. O professor
Gilberto Ferreira vem há anos fazendo na marra um paciente levantamento
de resquícios arqueológicos no município de Independência e cada
fragmento de tecnologia e arte dos nossos antepassados que ele encontra é
um elemento de despertar para o quanto fomos grandes sonhadores para
chegarmos até os dias de hoje e no grau de evolução a que chegamos.
Quem
quer que visite uma das casas de pedras existentes no município de
Independência vai poder imaginar o mundo do cangaço e o temor da
passagem dos revoltosos pelo interior do Ceará. Afora isso, vai poder
também ver os buracos nas paredes feitos pelos saqueadores de botijas e
poder conversar sobre a criação do baião de dois, como uma inovação
culinária decorrente da escassez de água no semiárido. O que parece tão
simples tem um poder sofisticado de nos levar a olhar para o que somos
por outros ângulos, dando chance aos nossos pensamentos de saírem dos
domínios da rotina.
A reflexão sobre "A educação e o meu lugar no
mundo" necessita pelo menos da sensação de que estamos em outro estágio
da vida social coletiva. A vida melhorou e pode melhorar. Quando eu vim
morar em Fortaleza há mais de três décadas, era comum ver as famílias
irem ao aeroporto ver o pouso e a decolagem de aviões. Hoje, essas
pessoas estão viajando dentro das aeronaves. O Brasil vive um momento
que os economistas tradicionais classificam como negativo, mas a
população sente como positivo, que é o do crescimento da renda, a
despeito do pequeno crescimento da economia.
Tomando como
referência de problemas comparativos a situação da juventude brasileira e
a dos países europeus mais afetados pela crise econômico-social dos
últimos cinco anos (refiro-me aqui à faixa de idade universitária),
podemos observar algumas particularidades que pedem atenção: na Europa, a
dificuldade desses jovens de se adaptarem a recessões tem levado
aqueles com formação competitiva a deixar seus países, outros a
descambarem para as drogas e outros, que contam com incentivos estatais,
a tentarem a vida no campo; no Brasil, muitos passaram a fazer
faculdades no interior e a ter famílias com alguma renda, mas sofrem com
a baixa qualificação profissional e com o assédio do narcotráfico.
As
crises, mesmo quando ditas econômicas e políticas, estão muitas vezes
mais para pressões psicológicas, geradoras da sensação de impotência e
redutoras da perspectiva transgressora das pessoas que não aceitam o
papel de meras seguidoras. O lugar do jovem no mundo é o território da
sua aprendizagem de ser. E aprender a ser é participar, se sentir útil.
Fazer como a Marcela Torres, que lançou mão da internet para mostrar a
cidade por ela mesma no portal (www.porronca.com.br) em que aproxima a
vida comunitária física e virtual de Independência, ou como a professora
Nadja Nara, que mobiliza estudantes da localidade de Tranqueiras para
atuar em eventos na sede do município, numa clara demonstração de
compromisso e dedicação.
Há muito o que inventar, o que construir
de diferencial. Em casa, na escola, nas ruas, na rede mundial de
computadores, "a educação e o meu lugar no mundo" é uma descoberta, não
apenas de como as coisas são, mas de como as coisas podem e devem ser. A
exemplo da iniciativa de Ricardo Assis, Expedito Martins, Claudiano
Barbosa, Nice Peres, Domingos Helton, Irandir Bezerra e Danielle Felix,
que fazem da História Viva um dos instrumentos criativos de intervenção
para o desenvolvimento de Independência, por meio de ações educativas e
de mobilização da juventude.