segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O poder da palavra


Paulo Coelho


Destruindo o seu próximo - Malba Tahan ilustra os perigos da palavra: uma mulher tanto falou que seu vizinho era ladrão, que o rapaz acabou preso. Dias depois, descobriram que era inocente; o rapaz foi solto e processou a mulher.

- Comentários não são tão graves - disse ela para o juiz.

- De acordo - respondeu o magistrado. - Hoje, ao voltar para casa, escreva tudo que disse de mal sobre o rapaz; depois pique o papel, e jogue os pedaços no caminho. Amanhã volte para ouvir a sentença.

A mulher obedeceu, e voltou no dia seguinte.

- A senhora está perdoada se me entregar os pedaços do papel que espalhou ontem. Caso contrário, será condenada a um ano de prisão - declarou o magistrado.

- Mas é impossível! O vento já espalhou tudo!

- Da mesma maneira, um simples comentário pode ser espalhado pelo vento, destruir a honra de um homem, e depois é impossível consertar o mal já feito.

E enviou a mulher para o cárcere.

Uma lenda do Polo Norte

Conta uma lenda esquimó que, na aurora do mundo, não havia qualquer diferença entre homens e animais: todas as criaturas viviam em harmonia sobre a face da Terra, e cada uma podia transformar-se na outra, a fim de entendê-la melhor. Os homens viravam peixes, os peixes viravam homens, e todos falavam a mesma língua.

"Nesta época", continua a lenda, "as palavras eram mágicas, e o mundo espiritual distribuía fartamente suas bênçãos. Uma frase dita ao acaso podia ter estranhas consequências; bastava pronunciar um desejo que este se realizava".

Foi então que todas as criaturas começaram a abusar deste poder. A confusão se instalou, e a sabedoria se perdeu.

"Mas a palavra continua mágica, e a sabedoria ainda concede o dom de fazer milagres a todos que a respeitam", conclui a lenda.

Os tempos difíceis

Um homem vendia laranjas no meio de uma estrada. Era analfabeto, de modo que nunca lia jornais. Colocava pelo caminho alguns cartazes, e passava o dia apregoando o sabor de sua mercadoria.

Todos compravam, e o homem progrediu. Com o dinheiro, colocou mais cartazes, e passou a vender mais frutas. O negócio progredia rapidamente quando seu filho - que era culto e havia estudado numa grande cidade - procurou-o:

- Papai, você não sabe que o Brasil está atravessando momentos difíceis? A economia do País anda péssima!

Preocupado, o homem reduziu o número de cartazes, e passou a revender mercadoria de pior qualidade, porque era mais barata. As vendas despencaram imediatamente.

"Meu filho tem razão", pensou ele. "Os tempos estão muito difíceis".

O manual de instruções

Depois de comprar uma nova máquina de descascar legumes, a mulher tentou - usando o manual de instruções - fazer com que funcionasse. Terminou por desistir, deixando as peças espalhadas na mesa. Foi ao mercado, e ao voltar descobriu que a empregada tinha montado o aparelho.

"Mas como conseguiu isso?", perguntou surpresa.

"Bem, como não sei ler, fui obrigada a usar a cabeça", foi a resposta.

FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE
Paulo Coelho
caderno3@diariodonordeste.com.br

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