domingo, 9 de dezembro de 2012

Ematuba, a terra de uma população esquecida

Muitos moradores reutilizam embalagens de agrotóxicos para pegar água e sofrem de problemas da coluna
Independência A escassez de água no distrito de Ematuba, o maior deste município, não se resume apenas ao período de estiagem. A maioria das 135 famílias que insistem em sobreviver ali sequer possuem torneira em suas residências. Por outro lado, o mané mago, como é conhecido uma geringonça que é uma mistura de bicicleta e carroça é equipamento obrigatório em todos os lares.



Velhos, jovens e crianças se misturam entre recipientes na busca pela água : Fotos Waleska Santiago

Desde a visita que o Diário do Nordeste realizou ao local, há sete meses, época em que a seca ainda não havia se configurado, nada mudou. Na verdade, as alterações ocorreram para pior.

Conforme mostrado anteriormente, a população de Ematuba aguarda pela construção de uma adutora há mais de 40 anos. "O projeto do governo é trazer a água do poço profundo existente em São José, uma comunidade distante seis quilômetros. Já mostramos que isso não vai resolver a situação. Pelo contrário, pode deixar os moradores de São José sem água, pois o poço pode não dar a vazão suficiente", aponta o presidente da Associação dos Moradores de Ematuba, Ivo Carlos Martins de Araújo.


Na fazenda de João Colares, na zona rural de Independência, uma cena se tornou corriqueira: os animais que tombam em consequência da fome e da sede


O dirigente garante que o ideal seria implantar a adutora no açude Barra Velha, que fica a 30 quilômetros de distância. Ivo Carlos denuncia também um grave problema constatado pela reportagem: muitas pessoas utilizam embalagens descartadas que armazenavam agrotóxicos para pegar água. "Essa é outra questão que precisa ser resolvida. Decorre da falta de esclarecimento de algumas pessoas que estão, assim, colocando suas vidas em risco".

Energia

A aposentada e deficiente física Artemísia Antônia de Araújo, 47 anos, diz que sofre de depressão por causa do desprezo que os moradores são submetidos por parte das autoridades. "Essa história de abandono não é nova. A nossa energia só chegou em 1997, depois que, n um protesto, todos saíram de suas casas com as lamparinas na mão e queimaram as faixas dos candidatos que queriam se eleger às nossas custas. Pouco tempo depois, os postes começaram a chegar".

Dona Artemísia revela que as pessoas mais velhas, que não têm condição de buscar água, são obrigadas a mandar os filhos ou netos para cumprir essa tarefa. "É triste vermos as nossas crianças ficando com a coluna torta por ter que levar todos os dias baldes e mais baldes cheios de água. Eu mesmo tenho uma sobrinha que me ajuda nessa condição".

Carro-pipa

Quando um carro-pipa chega a Ematuba para abastecer o reservatório que fica localizado entre o prédio dos Correios e a biblioteca pública local, a correria é grande. "É um martírio enorme para mim, aos 85 anos, ter que vir todos os dias pegar água", protesta o aposentado Francisco Alexandre de Lima. Sua esposa, Maria Rodrigues de Lima, 84, reforça a queixa. "Já perdi a esperança de ver água descendo na torneira. Espero que os mais jovens tenham melhor sorte".

O casal é um dos poucos que instalou uma torneira em casa. No período chuvoso, a caixa d´água é destampada para receber a água. Caso queiram manter o "privilégio", quando não chove, têm que apelar para um carro-pipa particular.

Conforme entendimento entre os próprios moradores, cada pessoa em Ematuba tem direito e retirar um vasilhame com 200 litros de água por dia.

Famílias prometem ir embora

Madalena O êxodo rural é a única alternativa vislumbrada pelos moradores das comunidades de Pau Ferro, Caiçara e Riacho do Mel, neste município. Cansados de esperar por políticas públicas que existem apenas no papel, pequenos agricultores e pecuaristas estão sendo obrigados a comprar água para dar aos animais.



Todos os dias, o produtor Antônio Nunes Sobrinho leva seus 12 animais para beber a água de uma cisterna destinada apenas a matar a sede dos animais


"Não vai dar para esperar por 2013. Se não chover ainda nesse ano, a maioria aqui vai abandonar as vilas. Não tem água nem ração para os bichos", alega Francisco Nunes, que reside na comunidade Pau Ferro.

Aos 64 anos, o agricultor mora há 23 no Assentamento 25 de março e diz que o desespero é pelo fato de "jamais ter enfrentado algo igual durante todo esse tempo". A cada dia que passa, o criador José Maria Freitas se desloca mais longe para dar de beber aos sete bois que conseguiu salvar. No início, andava pouco. Agora, de três a quatro quilômetros. Para piorar, a água por lá também está acabando. "A escassez é terrível. No dia de ontem, passamos com 30 litros de água para dividir entre seis pessoas, para beber, cozinhar, dar descarga e lavar as mãos. Tomar banho, nem pensar".

Mesmo reconhecendo que as águas do açude Queto, localizado a sete quilômetros, estão poluídas e impróprias para o consumo, conforme mostrou a reportagem há sete meses, o agricultor acredita que a construção da adutora é a única solução viável. "Se isso ocorrer, a água vai passar por um tratamento e melhorará de qualidade".

Montado em seu jumento, todos os dias, o pequeno produtor Antônio Nunes Sobrinho leva 12 animais para beber a água que é transferida de uma cisterna localizada na escola de ensino fundamental da localidade para um tanque ao lado. "Alguns proprietários de animais se juntaram e compraram umas carradas d´água destinadas apenas aos bichos. Se não for assim, eles morrem à mingua".

Em Independência, o pecuarista João Colares enviou 75 cabeças de gado para uma fazenda que arrendou próximo a Ematuba. "Já perdi dez animais. Transferi os que estavam em melhores condições. Em contrapartida, pago R$ 2.500 por mês. Os que ficaram estão recebendo um tratamento especial para sobreviver. Todos os dias, se alimentam de milho, resíduo e mandacaru". Uma das suas preocupações é com a vaca Rajada, que está com a perna quebrada. "Ela foi atropelada por outros animais quando estava no cio. Mas vai resistindo bem. Consegue se levantar sozinha. Aqui na fazenda, o que mais temo é quando vejo os urubus sobrevoando juntos o céu. É o sinal de que mais um animal morreu".

"Gravíssima"

De acordo com Moisés Ricardo, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Ceará (Fetraece), a situação hoje é considerada muito grave. Segundo ele, o rebanho está morrendo por conta da falta d´água e forragem.

"O investimento que está chegando não está dando conta. Principalmente na região dos Sertão dos Inhamuns, Sertão Central e de Canindé, quanto a questão de água e alimento para os animais, a situação do Ceará é gravíssima".


FONTE: DN

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