terça-feira, 2 de outubro de 2012

A era Hobsbawm


Na manhã de ontem, faleceu aquele que foi considerado o maior historiador do século XX: Eric Hobsbawm
Dizia Hobsbawm: "Todo historiador tem seu tempo de vida: uma corda bamba particular, a partir da qual examina o mundo". Ontem, o mundo perdeu um de seus mais perspicazes e dedicados examinadores. Eric Hobsbawm faleceu no início da manhã, no hospital Royal Free de Londres, onde estava internado há cerca de um mês, acometido por uma pneumonia. O historiador lutava contra a leucemia. Deixou a esposa Marlene, três filhos, sete netos e um bisneto.

Se o peso de admiráveis 95 anos abalava sua condição física, seu intelecto, contudo, permanecia invicto, assim como sua vida social e cultural ­ graças, principalmente, aos esforços e aos quitutes da esposa Marlene Schwartz, professora de flauta e excelente cozinheira. Hobsbawm, aliás, tornou-se mais famoso em sua extrema velhice do que provavelmente em qualquer outro período de sua vida. Aos 93 anos, assumiu a presidência do Hay Festival, uma das mais tradicionais festas literárias do mundo, que ocorre no País de Gales desde 1988.

Legado
O historiador foi reconhecido principalmente por sua tetralogia das Eras: "A Era das Revoluções (1789 - 1848)", "A Era do Capital (1848 - 1875)", "A Era dos Impérios (1875 - 1914)" e "A Era dos Extremos (1914 - 1991)", publicadas entre 1962 e 1994. Nas "Eras", Hobsbawm consegue como poucos deitar um olhar sobre seu tempo presente, repensando, inclusive, a própria ideia de temporalidade.

Em "A Era dos Extremos", por exemplo, o historiador desenvolve sua teoria de que o século XX teria início não em 1901, como se convenciona, mas em 1914, com a I Guerra Mundial, e terminaria não nos anos 2000, mas em 1991, com o fim da União Soviética.

Marxista por convicção, Hobsbawm sempre se considerou parte de um movimento internacional comunista, no entanto, soube manter-se crítico ao seu próprio partido, licenciando-se como um livre-pensador. Deste modo, aliás, conquistou o respeito dos mais duros críticos do comunismo, como o filósofo político britânico Isaiah Berlin, um dos principais pensadores liberais do século XX.

Em uma profissão notável, entre outros, pela dedicação a pequenos recortes temporais, poucos historiadores conseguiram comandar estudos tão amplos (de 1789 a 1991) com tanta autoridade. Nas "Eras", destaca-se não apenas o detalhamento das pesquisas, mas o poder de síntese, tão bem apresentado no compêndio de quatro volumes.

"Hobsbawm é considerado o maior historiador do século XX por muitas pessoas, mas não só pelo tamanho de sua obra, sobretudo pela qualidade e variedade de temas. Por isso, mesmo que não se concorde com o pensamento dele, hoje dizemos que não há como não lê-lo. Hobsbawm é imprescindível para a formação de qualquer historiador", salienta Frederico de Castro Neves, professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Na manhã de hoje, os organizadores do III Seminário Internacional de História e Historiografia, que acontece na UFC dedicaram o simpósio à memória de Eric Hobsbawm.

Vida e militância
Ao falar de sua "corda bamba particular", o historiador completou: "A minha é constituída, entre outros, de uma infância na Viena da década de 1920, os anos de ascensão de Hitler em Berlim, que determinou minha política e meu interesse na história, e da Inglaterra, e especialmente a Cambridge de 1930".

Nasceu em Alexandria, no Egito, quando o país ainda era um domínio inglês, em 1917. Por isso mesmo, possuia cidadania britânica. Com dois anos de idade, seus pais se mudam para Viena, onde cursa o primário. Sua primeira memória política provém de Viena, quando, em 1927, os trabalhadores incendiaram o Palácio da Justiça.

Em 1929, seu pai morre repentinamente de um ataque cardíaco. Dois anos mais tarde, sua mãe também falece, vítima de tuberculose. Seu tio paterno, Sidney, decidiu adotar Eric e sua irmã Nancy, que tiveram de se mudar para Berlim. Como um adolescente na República de Weimar, Hobsbawm inevitavelmente se politizou. Aos 14 anos ele leu Marx pela primeira vez e tornou-se comunista.

Em 1933, lê-se nos jornais a escolha de Hitler para primeiro ministro. Astuto, tio Sidney percebe o evento como uma ameaça à sua família judia e decide se mudar para a Inglaterra. Mais tarde, Hobsbawm analisaria a decisão do tio como "a salvação de toda a sua família", um acontecimento que reforçaria sua formação intelectual e seus princípios como historiador.

Nos anos1930 ganhou uma bolsa de estudos em Cambridge, onde se dedicaria à História e à militância. Após integrar o Exército Britânico contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, retornaria à Cambridge para cursar doutorado e ali fundaria o Grupo de Historiadores do Partido Comunista.

"Mesmo após o fim do Partido, Hobsbawm fez questão de permanecer filiado. No entanto, sua preferência política nunca o levou a ser desrespeitado, porque soube ser um crítico de seu próprio partido. Essa é uma das importantes lições dele: é possível fazer história de boa qualidade e ter um compromisso com as lutas do presente", ressalta Frederico. Segundo ele, o historiador chegou a afirmar a dificuldade de escrever "A Era dos Extremos", consideradas por muitos sua obra prima, justamente por ter feito parte da maioria daqueles eventos. "Isso fazia do livro quase uma obra autobiográfica e, se você ler ´A Era dos Extremos´, vai ver que, assim como ´´Tempos Interessantes´, que foi feito para ser uma autobiografia, de fato Hobsbawm levantava questões de sua própria vida", afirma.

Nos últimos anos, apesar da idade, Eric escreveu ainda diversos artigos sobre os conflitos do Oriente Médio, o Islã e outros tantos eventos atuais. "Ele não era apenas um velhinho voltado para suas relíquias", completa Frederico.

Além da história do tempo presente, Hobsbawm teve a felicidade de escrever sobre outra de suas paixões: o jazz. Ainda na Alemanha, um primo o apresentou ao gênero pela primeira vez.

Apaixonou-se. Para ele, o jazz se definia como "o som irrespondível". Nunca satisfeito em ser nada menos do que o mestre de qualquer coisa, Hobsbawm passou um período na década de 1950 como crítico de jazz do New Statesman, e publicou um especial sobre a História do Jazz na editora Penguin, sob o pseudônimo Francis Newton (muitos anos mais tarde, foi relançado com Hobsbawm identificado como o autor).

Na manhã de hoje, o editor de Hobsbawm no Brasil, Luiz Schwarcz, escreveu sobre a morte do autor, publicando a mensagem que recebera da agente do historiador, Ania Corless: "Justo quando preparava o material com a nova reunião de ensaios para enviar-lhe, que se chamará ´Fractured Times´ (Tempos Cindidos), eu tive a notícia que Eric morreu esta manhã. Com carinho, Ania". Schwarcz ressaltou em seu texto a comoção de Eric com uma carta escrita pelo presidente Lula em seu último aniversário e o carinho que o pesquisador tinha pelos brasileiros. "Com sua morte perdemos um amigo, um ídolo dos brasileiros, que se orgulhava por ser tão querido aqui. Certamente o Brasil é o país onde Hobsbawm tem o maior número de leitores."


MAYARA DE ARAÚJOREPÓRTER

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