quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O MALI E A ALMA DO DESERTO (FINAL)


Os levantes, ataques e bombardeios ocorridos no Mali fazem parte de disputas de poder que são internas e externas. O presidente interino, Dioncounda Troaré, que pediu ajuda internacional nos conflitos, não se entende com Amadou Sanogo, comandante da junta militar golpista, que está imobilizado pelo exército francês. A França, por sua vez, tenta afirmação política e militar na conjuntura internacional ao procurar comandar a operação, mas os Estados Unidos, também em crise de referência, não acham uma boa ideia. Ambos, assim como as demais potências europeias, sentem suas lideranças na região ameaçadas pela China, que vem avançando no país, dentro de uma paciente estratégia de ocupação da África.

A China é hoje o maior parceiro comercial do continente africano, ao qual vem expandindo investimentos na recuperação e montagem de infraestrutura de ferrovias, estradas, pontes, aeroportos, casas, hospitais, escolas, fábricas, sistemas de fornecimento de água e formação técnica agrícola e industrial. Transfere tecnologia e experiência de gestão, vende produtos, presta serviços, exporta gente e abre seu mercado aos produtos africanos, conquistando confiança e recebendo petróleo e diamantes, dentre outras contrapartidas. A paisagem pintada pelos chineses não é, portanto, apreciada por Europa e EUA, ainda em situação de abalo provocado pelos efeitos da desglobalização.

A última vez que EUA e França disputaram publicamente a coordenação de tropas na África foi em 2008, quando da insurreição ocorrida no Chade, país do centro-norte africano, onde há grandes reservas petrolíferas e um lago gigantesco de preciosa água doce. A França, do então presidente François Sarkozy (2007 - 2012), tentou liderar uma força internacional de países da União Europeia, a Eufor, mas fracassou. A despeito de razões geopolíticas e econômicas, tanto Sarkozy sabia quanto Hollande sabe que "guerra santa" e "guerra contra o terrorismo" são sempre um bom remédio para baixar a temperatura de pressão popular.

Nem todos os que falam francês são franceses, pensam ou sentem em francês. Somente no Mali, além da língua oficial francesa, grupos falam dogon, gozo, hassania, peul, songhai e tamachek. Na hora de uma guerra, sabe-se lá o que se passa por dentro da cabeça de cada um, inclusive nos seus campos de vínculos com a vizinhança. Nunca é demais lembrar que o mapa da África foi desenhado de fora para dentro e que o território da alma do deserto não se limita a essas fronteiras. A linguagem comum dos povos da região do Mali parece ser a arte e, entre as artes, a música ocupa lugar de destaque.

Os artistas do Mali têm demonstrado que não querem a desagregação. Eles se movimentam e cantam com profunda vitalidade em defesa da união no país. O Mali é um lugar encantador e arriscado, onde coexistem intensamente beleza, riqueza, devastação e pobreza. O regueiro Tiken Jah (Costa do Marfim) gravou a música "An ka Wili" (Vamos subir) convocando a população a se unir para não deixar que a guerrilha divida o Mali: "O país vai deslizar das nossas mãos (...) Cadê os descendentes do Sundiata?". O MC Soumy saiu com o rap "Sini kelle ye" (Amanhã é na luta) instigando jovens a se juntarem ao exército e às tropas francesas para lutar.

Diante da brutalidade estabelecida na guerra sangrenta pelo poder político e econômico, a arte incita as pessoas a escutarem a voz do coração. Foi aí que um grupo de mais de quarenta artistas da região vestiu todas as cores dos seus tecidos da terra e lançou o canto de paz "Mali-ko", em vídeo espalhado para o mundo pela internet desde o dia 17 passado. Os sentimentos de cantoras, cantores e músicos sobre a situação têm valor significativo para uma gente que vive a música como parte da sua espiritualidade.

Entoando a tradição do "blues" do deserto, a cantora Kaïra Arby convoca uma tomada de mãos pela paz. Fatoumata Diawara (Costa do Marfim) pergunta com em sua sensualidade o que está acontecendo para pessoas do mesmo sangue se matarem. E lembra que no dia em que os povos africanos se unirem o continente será mais forte. Em marcação de "hip hop", Amkoullel entra no diálogo reforçando o convite para que todos se deem as mãos e juntos sejam mais fortes.

O guitarrista e cantor Baba Salah saca a história no tempo de Sundiata Keïta quando o Mali "era o sol que iluminava os quatro cantos do mundo". E o cantor Soumaila Kanouté pede a palavra para dizer que "o Mali é indivisível". As cantoras M´baou Tounkara, Oumou Sangaré e Fati Kouyaté cantam pela preservação dos valores, contra o risco de jogar fora a história do país e para dizer que a guerra não respeita ninguém. A dupla Amadou e Mariam louva a força da união, o cantor Mylmo apega-se aos princípios legados pelos heróis do país, citando novamente Sundiata Keïta, e a bela Nahawa Doumbia encerra o canto evocando paz na África e paz no mundo!

Ao ver, ouvir e compartilhar o videoclipe de "Mali-ko" na internet, voltei a ler com os meus filhos o surrado livrinho "Sundiata - o leão do Mali", de Will Eisner, e tirei algumas horas para me deleitar com a coleção História Geral da África, volumes IV (org. Djibril Tamsir Niane) e VII (org. Albert Adu Boahen), Unesco/Cortez Editora, São Paulo, 2011, onde encontrei muito da incrível história do Mali, na condição de império da África Ocidental.

Estavam lá os dispersos grupos de comerciantes de ouro e de sal, as aldeias do rio Níger e o início das rotas transaarianas no século IX. A agricultura, a criação de animais, a metalurgia, as caravanas de mercadores de óleo de dendê, de cobre, noz de cola, marfim, algodão e o esplendor cultural e econômico de Djenné no século XV. Que fantástica mistura de lenda com história! A hegemonia do Sasso, entre os anos de 1180 e 1230, suas guerras contra os muçulmanos e o domínio da região pelo rei-feiticeiro Sumanguru Kante, com seu corpo invulnerável ao ferro, mas que tinha como ponto fraco não poder ser ferido por esporão de galo branco.

E o Sundiata, hein? O Sundiata era um garoto quando seu povo foi destroçado pelo exército de Sumanguru. Tinha paralisia nas pernas e, por isso, foi tratado com desdém. Anos depois reuniu grupos subjugados da região e comandou uma série de façanhas militares, derrotando Sumanguru e criando o Mali, em 1235. No poder, Sundiata definiu alguns princípios constitucionais para seu país e para os povos federados, com a codificação de alguns costumes e interditos que ainda hoje inspiram as relações naquela região. Teve a sabedoria de valorizar o violão tetracórdio (balafo ou dan) utilizado pelos contadores de histórias, que havia sido popularizado por Sumanguru. No seu governo, Sundiata Keïta adotou o canto conhecido por Boloba (a grande música), composto pelos griôs para ouvir e para dançar e criou as condições para o florescimento da matemática, da literatura e da arte.

O império do Mali só entrou em declínio depois do século XV com as grandes navegações, época em que dirigiu a atenção para o litoral, em negociações com portugueses que, dentre outras coisas, trocavam um cavalo por quinze escravos inimigos. Enfraqueceu, entrou em processo de divisão e, na segunda metade do século XIX, caiu na cota da França, quando as potências europeias ratearam o continente africano para todo tipo de exploração. Foram muitos os movimentos de resistência, mas o Mali, assim como quase duas dezenas de colônias francesas na África, só conquistou a independência em 1960. Hoje, com mais de um milhão de quilômetros quadrados e cerca de quinze milhões de habitantes, vive o paradoxo de, por um lado, ser acusado de entreposto de pirataria e, por outro, de ser uma das fontes de tendência de moda e da música internacional. Paz para o Mali!!!


Fonte: CADERNO 3
www.flaviopaiva.com.br

Oportunidade para aprender a concorrer

MinC realiza oficinas para interessados em participar dos editais voltados a produtores e realizadores negros

Com o objetivo de orientar interessados em participar dos novos editais direcionados aos produtores e realizadores negros, lançados no final do ano passado, o Ministério da Cultura, por meio das suas Representações Regionais, realiza oficinas de capacitação em diferentes cidades do País.


Para concorrer nos novos editais, basta se autodeclarar negro e ter mais de 18 anos Foto: Kid Jr

Uma delas acontece em Fortaleza, amanhã, no Museu do Ceará, ministrada pelo assessor do MinC Nordeste, Roberto Azoubel. A ideia é auxiliar o proponente a entender os editais e adequar sua proposta às exigências dos mesmos, além de mostrar como acompanhar o trâmite do projeto durante as etapas da seleção.

A participação nas oficinas é gratuita e não há nenhum pré-requisito. No caso de Fortaleza, a oficina é realizada em parceria do MinC com a Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial, da Prefeitura Municipal de Fortaleza, e a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará.

Polêmica

Ao todo, os editais terão à disposição R$ 9 milhões, distribuídos entre os segmentos de audiovisual, artes, literatura e pesquisa acadêmica. Podem participar brasileiros que se auto-declarem negros, com mais de 18 anos, que atue nas áreas de artes visuais, circo, música, cinema, literatura, pesquisa de bibliotecas, dança e teatro. As inscrições seguem até o dia 25 de março (cultura.gov.br).

Lançados pela ministra Marta Suplicy em 20 de novembro - Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra -, os editais causaram polêmica no cenário artístico nacional, dividindo opiniões de produtores e realizadores.

Para alguns, trata-se de uma ação reparadora frente aos séculos de prejuízos e exclusão dos negros, não apenas no setor cultural; para outros, medida que apenas acentua o racismo e a discriminação.

Segundo material de divulgação do MinC, o objetivo dos editais é proporcionar aos produtores e artistas negros oportunidade de acesso a condições e meios de produção, de acordo com o Plano Nacional de Cultura (Lei 12.343/2010) e pelo Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010).

Ao todo, o pacote contempla cinco editais em linguagens distintas. O Edital de Apoio para Curta-Metragem - Curta Afirmativo, por exemplo, é realizado pela Secretaria do Audiovisual, voltado ao fomento de seis curtas-metragens inéditos (ficção ou documentário, de temática livre), produzidos ou dirigidos por jovens negros de 18 a 29 anos.

Já o Prêmio Funarte de Arte Negra, a cargo da Fundação Nacional de Artes, vai selecionar trinta e três projetos nas áreas de artes visuais, circo, dança, música, teatro e preservação da memória que contemplem a diversidade de expressões artísticas.

Tipos

Três editais estão abertos na área da Fundação Biblioteca Nacional. Um deles é o Edital de Apoio à Coedição de Livros de Autores Negros, cujas inscrições têm prazo diferente - 30 de abril.

A proposta é formar parcerias para o desenvolvimento de projetos editoriais sob a forma de coedição, com vistas à produção de publicações de autores brasileiros negros, na forma de livros, em meio impresso e/ou digital.

Outra seleção aberta no setor da FBN é o Edital de Apoio a Pesquisadores Negros, com objetivo de selecionar projetos de pesquisa para concessão de bolsas. Por fim, está aberto o Edital de Seleção de Projeto para Implantação de 27 Pontos de Cultura Negra, do qual poderão participar instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos.

Mais informações
Oficina de orientação aos editais para criadores e produtores negros. Amanhã, a partir da 14h, no Museu do Ceará (R. São Paulo, 51, Centro).
Contato: (85) 3101.2610

ADRIANA MARTINS
REPÓRTER
 
Fonte: Caderno 3

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

FIGURAS


Vivemos de figuras de todo tipo, como a de inocentes e de criminosos. De poetas e políticos - uns mentem falando a verdade; os outros são viciados em tratar da verdade mentindo.

A palavra "figura" agasalha muitos sentidos. O mapa do Brasil é uma figura na forma de presunto, como dizia Lima Barreto. Todo mundo sabe quem o come, mas "figura" que não sabe. Eis um outro sentido para essa imensa palavra: o fingir ou esquecer.

Todo ser imaginário é uma figura que é carta de baralho e configuração geométrica. A pirâmide serve como uma boa representação de um Brasil onde poucos governam ganhando muito e onde muitos são governados recebendo pouco.

"Figura" também significa aspecto, emblema, alegoria. Até anteontem, a figura de uma pessoa negra etiquetava um escravo; hoje, uma consciência maior da nossa alergia à igualdade faz o uniforme branco das babás virar um problema anunciado em pelo menos duas colunas importantes: a do Ancelmo Gois e a da Miriam Leitão.

E, no entanto, o branco é uma representação do limpo e do transparente. Símbolo da paz, não deixa de ser curioso como o branco se relaciona com os fantasmas envoltos em névoa. Esse nevoeiro de um Brasil escravocrata que escondemos, no qual o branco figurava como uma personificação da propriedade de pessoas.

Uniformizar, como disse Max Weber, faz parte do mundo moderno onde médicos, garçons, policiais, engenheiros, cientistas e operários estão uniformizados. A questão é o uso obrigatório e simbólico da roupa para distinguir as babás nesses clubes de elite. Ser de elite dispensa para cima; já o uso obrigatório do uniforme distingue para baixo. Uma presumida superioridade dada pela riqueza, pelo poder ou pela celebrização extingue a culpa, do mesmo modo que o emprego doméstico deve lembrar - pela roupa usada como cicatriz ou estigma - a origem escravocrata do serviço que promove a intimidade, mas (e aí está o ponto) não pode conduzir à igualdade. Ora, uma intimidade (o dar a mão) sem igualdade (o não tomar o braço) tem sido o princípio estruturante de toda a nossa vida social.

Uma das babás diz ao jornal (O Globo) que elas não têm nome. São "babás": o papel social de anjos da guarda dos filhinhos amados de suas bem-postas patroas promove o sumiço de suas cidadanias. Sempre foi assim. Façamos um teste - responda rápido: qual é o nome completo de sua empregada doméstica?

Entre a escravidão na casa e o pseudomoderno emprego doméstico quase não há hiato. A continuidade foi feita abafando a igualdade, mas mantendo a intimidade que humaniza a todos, não liquidando, porém, as subordinações. No fundo, os problemas não são somente das babás, mas das patroas receosas de serem confundidas com suas "criadas", na medida em esses serviços se profissionalizam e trazem à tona esses dilemas.

Há aqui um sintoma da silenciosa, mas permanente revolução igualitária que se realiza hoje no Brasil. Ela surge na indignação com administradores públicos corruptos e ineficientes; com o populismo calhorda que aristocratiza roubando, e é profundamente anti-igualitário porque deseja a exceção e o retorno do poder como instrumento de aristocratização; e passa por essas barbaridades de assassinar em lugares públicos como ruas e restaurantes porque o "outro" não sabe com quem está falando. Aí temos crimes cometidos em nome de uma desavença pessoal interpretada como falta de respeito, porque, se desconhecido não se comportar como um inferior, ele vira um inimigo.

Toda reação contra a regra da lei para todos revela esse nosso temor de uma impessoalidade que conduz ao igualitarismo contrário à boa e velha hierarquia que nos indicava com quem falávamos. É terrível ver sumir o mundo de exclusividades e testemunhar a raia miúda frequentando locais e usando roupas privativas dos grã-finos.

O surto de uniformizar para distinguir para baixo faz parte dessa reação à igualdade que chega para calibrar a liberdade excessiva dos que têm muito. Como distinguir para baixo se todo mundo está ficando muito parecido? Como saber com quem se está falando se não se sabe mais quem é a mãe ou a babá da criança?

Eu seria favorável ao uso compulsório do uniforme branco nos clubes se os bandidos também fossem obrigados a usar as máscaras típicas de suas figuras. Mas aí o (des)mascarar seria equivalente à revolução que tanto queremos e - eis a questão - não queremos. Senão, não seríamos campeões mundiais de empregadas domésticas.

Roberto DaMatta

FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Entre a suástica e a palmatória

Nos anos 1930, órfãos eram escravizados em fazenda no interior de São Paulo por simpatizantes do nazismo

Alice Melo

Uma briga de porcos derrubou a primeira barreira que encobria uma história existente apenas nas lembranças de velhos personagens. O obstáculo rompido nos idos da década de 1990 era a parede gasta de um chiqueiro imundo que outrora fora habitado por empregados de uma fazenda localizada no município de Paranapanema, interior de São Paulo. A Cruzeiro do Sul, que hoje beira os 72 hectares de terra. Na ocasião, quem tentava conter os suínos em sua disparada era Tatão, então proprietário das terras, e seu empregado, Aparecido. A dupla falhou ao apartar a rixa; os bichos abriram um buraco na parede e escaparam rumo ao capinzal numa corrida ensurdecedora. Aparecido seguiu os porcos para evitar prejuízo, mas Tatão permaneceu atônito no chiqueiro destruído. Os tijolos maciços caídos no chão, antes encobertos pela argamassa, revelaram ao homem a marca inconfundível, cravada no centro de um losango: a suástica nazista.
“Eu chamei: hômi, volta aqui, hômi, vem ver isso”, lembra Tatão – apelido de José Ricardo Rosa – fixando os olhos verdes no horizonte, entre uma e outra baforada no seu tradicional cigarro de palha. “Quando ele chegou, eu mostrei a marca pra ele. Ele me disse que era a marca do tijolo. Eu falei: como assim? É a marca da Alemanha! E ele disse que não, era a marca do tijolo. Por anos, eu fui ridicularizado na cidade. Ninguém desconfiava que aquele tijolo, com aquela marca, era a prova de que existiu, naquela fazenda, uma filosofia nazista no passado.”
A descoberta do tropeiro permaneceu como peça solta de um quebra-cabeça complexo até 1998, quando a enteada de Tatão, Suzane, durante uma aula sobre a Segunda Guerra Mundial, reconheceu, nas imagens do livro didático, a marca encontrada nos tijolos de sua fazenda, e avisou ao professor. O historiador Sidney Aguilar Filho, que trabalhava na cidade de São Roque, a 160 quilômetros da fazenda, não acreditou na história da menina. Foi preciso que ela levasse o material na aula seguinte para que ele iniciasse uma investigação. Esta durou dez anos e culminou na tese de doutorado “Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945)”, defendida na Unicamp em 2011. Com aquele objeto em mãos, o pesquisador rumou à região e se instalou no município vizinho, Campina do Monte Alegre, ou Campininha – cidade hoje com 5 mil habitantes. Lá, teceu os primeiros fios de uma teia tortuosa de significados. Em meio a polêmicas, a teia liga a simbologia nazista presente na propriedade rural a um contexto de simpatia a ideais de racismo e autoritarismo no Brasil das décadas de 1930 e 1940.

Fonte: Revista História

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

IFCE de Crateús inaugura primeiras turmas de Letras e Zootecnia


Crateús. Dois novos cursos superiores são ofertados no campus do Instituto Federal de Educação (IFCE) deste município. As primeiras turmas de Licenciatura em Letras e Bacharelado em Zootecnia ampliam em 35 e 20, respectivamente, o número de vagas na instituição de ensino, realizando sonho antigo da população.

Alunos do curso de Licenciatura em Letras com professores após aula inaugural. Com o curso de Zootecnia, iniciam nova fase do IFCE FOTO: SILVÂNIA CLAUDINO

Para as aulas do semestre 2012.2 os alunos veteranos dos cursos técnicos de Química e Edificações também foram recepcionados por servidores e professores. A turma de bacharelado em Zootecnia estuda no período da manhã. No turno da noite acontecem as aulas do curso de Licenciatura em letras.

Ministraram a aula inaugural de Letras os professores Vilmar Ferreira de Sousa e Maria Elias Soares, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab). A professora Maria Elias edita a revista do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde também leciona.

A professora Maria Elias Soares ressaltou a sua alegria pelo novo curso e pelo desenvolvimento do ensino superior na sua cidade natal, Crateús. Como tema da sua aula destacou "Os desafios da formação do profissional de Letras", fazendo uma retrospectiva do curso no País quanto a formação do profissional de Letras.

O professor da Unilab, Vilmar Ferreira apresentou, durante a aula o projeto "O papel do profissional de Letras como vetor de empoderamento semiótico-discursivo". Discorreu sobre o estudo da Gramática Sistêmico Funcional de Michel Halliday e a Análise Críticas do Discurso, como aportes teóricos do novo curso de graduação.

Desafio

O coordenador do curso de Letras, professor Wellington Costa enfatizou os desafios para a implantação da nova graduação, além do apoio obtido pela direção local e geral do IFCE. Para ele, "o curso ousa ser crítico e reflexivo" e contribuirá bastante com a formação profissional em Crateús e Região.

Para a diretora geral do Campus de Crateús, Paula Cristina, as novas graduações são sinais de desenvolvimento na educação local. "Esse início de semestre é divisor de águas na educação de Crateús, porque agora o Instituto Federal oferta duas novas graduações, em áreas carentes e com expressiva vocação na nossa região", frisa.

Certificação

Recentemente, dois grupos de pesquisa dos dois novos cursos do campus de Crateús foram certificados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O grupo de pesquisa na área de língua portuguesa estuda o tema "Análise do Discurso Crítica"; na área de Zootecnia, recebeu certificação o grupo com o tema "Produção Animal no Semiárido do Nordeste".

Mais Informações

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE)

Campus de Crateús

Rua Lopes Vieira, S/N

Telefone: (88) 3692.3864.

SILVÂNIA CLAUDINO
REPÓRTER

domingo, 27 de janeiro de 2013

Cavalgada reúne esporte e lazer em roteiro de fé

Mulungu reúne apaixonados pelo esporte, numa tradição que a cada ano ganha mais adeptos

Com homenagem às bandeiras, os cavaleiros partem de Canindé e seguem até Mulungu, durante evento que já está em sua oitava edição. Passeio fortalece cultura regional fotos: Antônio Carlos Alves

Canindé. A cavalgada é uma prática milenar, que surgiu na África e na Europa durante a domesticação dos cavalos. Nas últimas décadas, volta a dominar o cotidiano dos criadores desse animais, como uma forma de confraternizar os apaixonados por equinos. Em muitas cidades, como Mulungu, os tradicionais passeios coletivos de cavaleiros já fazem parte do calendário de eventos socioculturais.

Aventura, fé, devoção, coragem, respeito e amizade formam a mistura dessa modalidade esportiva e de lazer que renasce nos sertões do Ceará, reunindo praticantes de diferentes gerações. A cavalgada vem ganhando espaço em todos os seguimentos da sociedade civil, resgatando a cultura popular da região.

Para o empresário Calixto Fraga, que organiza a Cavalgada da Fé de Canindé a Mulungu, a modalidade envolve variados participantes. "Estamos no 8º ano de viagem e a cada aventura aumenta o número de participantes. Vamos manter viva essa tradição. Não podemos deixar que a prática acabe´´, defende ele.

História

Só a partir das últimas décadas a cavalgada começou a fazer parte da cultura brasileira com vários objetivos: cívico, religioso, esportivo, ecológico ou simplesmente ocasião para o contato com do homem com a natureza.

"Geralmente, o passeio é realizado por grupos de homens, mulheres, jovens e crianças que percorrem trilhas, estradas, campos, fazendas, riachos e plantações. É uma atividade alegre, descontraída e ocasião para a contemplação da fauna e flora local´´, diz.

"Foi uma promessa que fiz. Na primeira edição, começamos com 35 vaqueiros. Hoje já estamos com esse número, superior a mil amigos. É uma prova de que nossa ideia foi bem aceita. Graças a Deus, estamos mantendo uma tradição milenar´´, comemora Calixto Fraga, que cavalgou durante 12 horas até a comunidade do Sítio Couros, em Mulungu, onde os animais tiveram o descanso para depois chegar à cidade. No Centro de Eventos, eles foram abençoados pelo pároco da Paróquia de São Sebastião Padre Paulo Freitas.

Obstáculos

"O percurso às vezes é repleto de obstáculos como travessia de córregos, troncos, brejo, mato´´, lembrou o vaqueiro.

No Ceará, muitos municípios já estão organizando o evento por ocasião das comemorações municipais, como festas religiosas, eventos agropecuários ou passeios ecológicos.

A reportagem acompanhou uma noite de viagem de um grupo de mais de mil aventureiros com destino à cidade de Mulungu, no Maciço do Baturité, para conhecer de perto a saga de uma categoria que se reúne para fazer o bem e até praticar atos de solidariedade. Manuel Lacerda foi um dos integrantes da viagem. "Na primeira vez, vim em um cavalo emprestado. Gostei do esporte e hoje tenho um haras na cidade de Caucaia. Enquanto vida eu tiver, não deixo de viajar nesse grupo´´, disse.

Outro que participa ativamente das cavalgadas é o empresário João Paulo, do Rancho Sossego. Todos os anos, ele leva em média 20 vaqueiros que passam a noite em sintonia com a natureza. "É uma coisa gratificante. Não podemos deixar que isso acabe, porque tudo passa de geração a geração", disse.

Quem acompanha o percurso fica encantado com a maneira como os cavalheiros tratam os animais. Em muitos locais de difícil acesso, o homem desce e ajuda o cavalo a ultrapassar os obstáculos até o destino final.

O empresário Edson dos Estofados, dona de uma equipe de Vaquejada em Canindé, também participa da festa. "Estou muito feliz, porque entendo que nossa categoria precisa estar mais unida. A cavalgada é um esporte do bem´´, salientou.

Luiz Madeira, do Parque Guajurá, aproveita a viagem para aboiar e tornar o trajeto mais alegre. "Todo cidadão é vaqueiro e todo vaqueiro é sertanejo. Aqui todo mundo faz parte de uma família, por isso é só alegria´´, frisa.

"As gerações se misturam e, quando isto acontece, quem sai fortalecida é a cultura popular. Na nossa região é preciso as pessoas reconhecerem o quanto é importante valorizar e respeitar as ideias e costumes de cada um´´, disse Luiz Madeira.

Francisco José Freitas, do Sítio Caridade do Jesuíno, lembra que as cavalgadas fazem parte de uma tradição antiga. "É o grande momento em que homem e cavalo falam a mesma língua e a sintonia se torna perfeita. É como se você estivesse tocando um instrumento e fosse necessário um grupo para acompanhá-lo´´, compara o vaqueiro Neném, como é conhecido.

A presença do vaqueiro é, sem dúvida, um grande avanço nas cavalgadas. Para o presidente da Associação dos Vaqueiros, Boiadeiros e Criadores dos Sertões de Canindé, José Curdulino Filho, que participa ativamente dos momentos de interação dos vaqueiros, as cavalgadas voltaram e deram um novo charme às festas que acontecem no Ceará.

Dedicação

O prefeito de Mulungu, Francisco Sávio Bezerra, é exemplo de dedicação e paixão. Ele diz que mesmo antes de ser prefeito já era vaqueiro.

"Prefeito é um compromisso firmado com o povo, para servir bem a sua gente. Vaqueiro não. É uma profissão para a vida inteira´´, compara Sávio.

"Só deixo esse meio quando o criador do Universo pedir a minha presença lá em cima. Quando não, vou continuar aqui levando essa vida que muito me orgulha´´, disse o prefeito, em tom emocionado pela atividade.
Amor a cavalos passa de pai para filho
Empresário Calixto Fraga, filha Ane Caroline e esposa Ana Maria. A prática da montaria já é comum no cotidiano da família, que serve de exemplo para os amigos e demais participantes do lazer coletivo nos Sertões de Canindé
Mulungu. Quando iniciou a primeira cavalgada com destino a cidade de Mulungu, em 2006, o empresário Calixto Fraga contou apenas com o apoio da esposa Ana Maria.

No início era tudo muito acanhado. A dificuldade para conseguir simpatizantes era difícil, mas com o passar do tempo o vaqueiro viu que seu projeto já estava no caminho certo.

"Em 2007, o número de aventureiros aumentou e aí, comecei a pensar grande. Juntei os amigos de Canindé e começamos a organizar a cavalgada de forma mais profissional. Graças a Deus o sucesso é isso que todo mundo está vendo´´, comemora.

Calixo sempre fala em tom de paixão. "Em 2007 a minha filha fez a sua primeira viagem na barriga de sua mãe, porque ela é a mão amiga que me ajuda a organizar tudo. Depois do seu nascimento ela continuou acompanhando o grupo´´, lembrou.

Hoje com 6 anos, Ane Caroline faz parte do parte do percurso de carro ao lado de sua mãe e quando está chegando à cidade, ela desce e monta em seu fiel escudeiro um pônei de cor branca que já está acostumado com sua presença.

Amazona

Vestida à caráter, com roupa de amazonas, Ane Caroline não esconde a paixão pela cavalgada. Segundo o pai, ela tem um carinho muito grande pelo animal. "Comprei esse cavalinho para que ela possa dar sequência a nossa tradição. É como diz o ditado, é uma tradição de pai, mãe e filha´´, brinca o empresário.

Crianças como Ane Caroline, se juntam a outras que viagem com um só objetivo: participar da festa.

Exemplos para os empresários Edson dos Estofados que leva o filho menor. Um detalhe, é que todos já montam em cavalos e sabem o que lhe esperam no futuro: seguir os passos dos pais e garantir viva a tradição de unir, cavalo, homem, mulher e crianças, com um só sentimento: não deixar que a cultura popular perca sua essência.

Diferencial

Na opinião de Elson Gaspari, professor de História que estuda a cultura popular nos Sertões de Canindé, essa integração entre as Associações de Vaqueiros dos Municípios do Ceará tem um grande diferencial.

Ele avalia que a cada movimento religioso, cultural ou de aventura que reúne essas classes, a cultura popular renasce. "É como se, a cada dia, colocasse água numa planta. Agindo assim, ela jamais irá morrer. É a mesma coisa da categoria de vaqueiros. Todos os dias eles estão integrados num só pensamento. Manter acesa a chama da cultura´´, explicou o historiador.

Quanto à presença das crianças na viagem, ele diz que tudo faz parte do imaginário popular. "Os pais herdaram dos avôs dos meninos e agora querem que eles sigam o mesmo caminho, como é comum na nossa cultura", finalizou Gaspari.
ANTÔNIO CARLOS ALVESCOLABORADOR

sábado, 26 de janeiro de 2013

Cotistas e demais estudantes têm desempenho igual



Em alguns cursos, a performance dos que ingressaram através da Lei das Cotas foi superior à concorrência

No curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), o mais procurado de todo o País, os resultados mostraram que a nota obtida pelos estudantes cotistas ficou apenas 22 pontos abaixo dos demais concorrentes FOTO: JOSÉ LEOMAR

O desempenho dos estudantes que se encaixam nos critérios da Lei das Cotas, a Lei Federal nº 12.711, e ingressaram na Universidade Federal do Ceará (UFC) ou Instituto Federal do Ceará (IFCE) foi semelhante ao dos candidatos que faziam parte da ampla concorrência.

De acordo com o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), do Ministério da Educação (MEC), a UFC foi a instituição mais procurada de todo o País. De todos os seus cursos, Medicina foi o que mais atraiu candidatos. Nesse curso, por exemplo, a nota dos cotistas ficou apenas 22 pontos abaixo dos outros estudantes.

"De forma geral, as pontuações dos cotistas foram próximas a de quem fez parte da ampla concorrência. Em alguns cursos, quem fazia parte da Lei das Cotas teve um desempenho melhor do que o restante", afirmou o coordenador do Sisu na UFC, Miguel Franklin.

Ele comentou que o número de vagas ofertadas através da Lei Federal nº 12.711 ainda é pequena, apenas 12,5%, e isso faz com que seja normal essa pequena diferença entre as notas de corte dos candidatos.

Porém, Franklin ressaltou que essas pontuações obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também são um reflexo dos bons cursos de ensino médio que existem no Estado. "A escola do Corpo de Bombeiros é um bom exemplos", frisou.

O coordenador do Sisu na UFC acredita que apenas quando a universidade reservar 50% das vagas para os alunos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas ou são carentes poderá ser feito um panorama. "Tudo isso ainda ficará bem maior, pois hoje são 12,5% e temos até 2016 para ofertar metade das vagas para os cotistas", avalia.

IFCE

As notas dos candidatos que entraram no IFCE através da Lei foram semelhantes ao de quem fez parte da ampla concorrência. No curso de Licenciatura em Química do campus de Iguatu, as notas de corte foram de 618,4 pontos para ampla concorrência e 611,4 para cotistas.

Já em Licenciatura em Educação Física de Juazeiro do Norte, a nota de corte da ampla concorrência foi 614,1 e 600,2 para quem se encaixa na Lei Federal nº 12.711.

De acordo com o pró-reitor de Ensino do Instituto Federal do Ceará, Gilmar Lopes Ribeiro, em alguns dos cursos a diferença para as pontuações foi de apenas 2%. "Com essa proximidade das notas, podemos ver que o nível de ensino da instituição não será alterado, pois foram os melhores que se classificam".

Para o pró-reitor de Ensino, apesar desses resultados, os alunos de escolas públicas vão cobrar um ensino melhor de suas instituições. "É possível que no futuro aconteça o inverso e os cotistas tenham notas de corte mais altas que os outros candidatos", declarou.

Dessa forma, Ribeiro também pensa que, daqui a 10 anos, quando a Lei das cotas for avaliada, ela pode ser considerada desnecessária. "As cotas dão oportunidade para aquelas pessoas que, sem essa chance, não entrariam em uma instituição como o IFCE", completou.

Porém, ele destacou que uma avaliação precisa dessas pontuações de todos os estudantes poderá ser realizada somente após o próximo Enem, quando "comparações poderão ser feitas".

THIAGO ROCHA
REPÓRTER